Em tempos de pandemia, as questões sociais têm tido, na opinião pública, um protagonismo nunca outrora tão dignificado. Alguns responsáveis institucionais parecem acordar, agora, para as desigualdades e vulnerabilidades de um país que, de forma reiterada, continua a ter, junto dos seus cidadãos, “dois pesos e duas medidas”. Na verdade, a discriminação e exclusão social não é uma invenção deste coronavírus, mas uma realidade confrangedora de um país que propagandeia os princípios da democracia, que elege políticos que prometem equidade, mas que, na hora de decidir e executar, esquecem todas as suas promessas eleitorais.
A verdadeira dimensão dos problemas associados ao aparecimento da Covid-19, com impactos diretos na vida de todos e de cada um, parece ser desvendada, paulatinamente, nos diferentes meios de comunicação social. Anos a fio de (ir)responsáveis políticos que difundem as suas preocupações nas matérias sociais exclusivamente em tempos de campanha eleitoral, mas que, na verdade, ávidos de poder e sedentos de satisfazer as suas clientelas partidárias, abandonam, logo na primeira oportunidade, o verdadeiro sentido de coesão social, menosprezando o acesso de muitos a bens e serviços essenciais, a condições dignas de vida, ou, simplesmente, ignorando o direito de cada um à sua sobrevivência num planeta que, em princípio, é, ou deveria ser, de todos nós. Começa, assim, a ficar a descoberto a verdadeira dimensão de políticas erráticas centradas nos interesses individuais de muitos dirigentes e revela-se, “a olho nu”, a triste e comedida contribuição desses políticos para o bem-estar comum.
Esta pandemia tem demonstrado, da forma mais violenta possível, as debilidades do nosso sistema, particularmente da suposta e propalada gestão de proximidade levada a cabo pelas autarquias, porque é delas que se espera que conheçam melhor as dificuldades dos seus concidadãos e que enalteçam os princípios basilares da nossa democracia. É desses dirigentes autárquicos que se aguarda que dignifiquem o cargo para o qual foram eleitos e que o façam de uma forma altruísta e verdadeiramente desinteressada. E Matosinhos, ocupando, dia após dia, o pódio dos concelhos com o maior número de infetados, desvenda os frágeis alicerces das suas políticas sociais, a ausência evidente de uma preocupação consistente para com os cidadãos que se encontram em situação de vulnerabilidade, como é o caso da população mais idosa, onde a inexistência de uma estratégia clara de proteção a estes cidadãos é, infelizmente, uma dramática e angustiante realidade.
Será preciso elencar todos os indicadores e estatísticas disponíveis para recordar que temos um concelho bastante envelhecido e que isso implica uma visão e estratégia diferenciadas, solidária e acutilante que antecipe flagelos desta ou de outra natureza? Sejamos claros e sérios, pois não basta proceder à atribuição de verbas a IPSS e Misericórdias para se sentir que a missão social está cumprida em Matosinhos, dádivas essas muitas vezes envoltas em princípios pouco ou nada transparentes, sem pressupor uma monitorização eficaz e depreciando as ocultas, mas longas, listas de espera que oferecem vagas consoante a rede de conhecimentos ou o poder económico de cada um. E é precisamente nesses locais que temos vindo a assistir às lamentáveis tentativas de remediação deste surto pandémico, agravadas pela falta de planeamento, de previsão e prevenção, o que, pesarosamente, tem redundado num elevado número de infetados nos lares de idosos em Matosinhos.
Os deputados municipais do Bloco de Esquerda deste concelho têm-se batido veementemente, ao longo dos anos, pela valorização das questões sociais nas assembleias de freguesia, na comissão permanente de desenvolvimento social e nas assembleias municipais, onde, recorrentemente, são considerados uma “voz incómoda” por todos os cúmplices da manutenção desse “status quo”. Na verdade, as constantes reivindicações pela defesa de uma vida digna para os mais vulneráveis, muitas vezes apelidadas de irrealistas, irrelevantes, desajustadas, utópicas e afins, nunca, efetivamente, fizeram tanto sentido. Sim, porque os problemas existem, ainda que muitas vezes sejam camuflados pelo “show off” de festas e romarias ou pela atribuição de donativos pouco escrutináveis que vão calando o povo, mas que, infelizmente, esta crise sanitária não deixa nem deixará nunca esconder.
E é por isso que, apesar de o Executivo Camarário teimar em sonegar informação relevante a esta força partidária, num desrespeito pela democracia e pela legislação em vigor, os deputados municipais do Bloco de Esquerda endereçaram à sua Presidente um alargado leque de questões relativamente à sua atuação face às consequências desta pandemia no nosso território e, sobretudo, em relação às estratégias em marcha para superar este enorme flagelo. Não estamos a falar de medidas avulsas para calar os mais incautos, mas de uma estratégia clara e inequívoca que fale verdade e que contribua para contrariar a subida diária do número de infetados neste concelho.
Mas afinal, que tipo de proteção está a ser prestada pela Câmara Municipal de Matosinhos, e respetivas Juntas de Freguesia, aos cidadãos mais vulneráveis? Quem está efetivamente a ser apoiado, com que critérios e de que forma? Como estão, por exemplo, a ser acompanhadas as crianças sinalizadas, as vítimas de violência doméstica e os cidadãos portadores de deficiência? Em que moldes estão a ser realizadas as visitas aos idosos isolados para lhes assegurar refeições, higiene e medicação? Que apoios estão a ser conferidos aos sem-abrigo? Que apoios estão a ser prestados aos internamentos sociais no seu regresso a casa? De que forma estão a identificar e a apoiar as famílias fragilizadas devido à quebra de rendimentos? Há cantinas municipais no concelho que garantam refeições para estas famílias? Que ações de prevenção estão a ser levadas a cabo nos lares de idosos que salvaguardem a saúde de utentes e funcionários, respeitando os respetivos vínculos laborais? Estão a ser disponibilizados equipamentos de proteção aos cuidadores informais, polícia municipal, trabalhadores das empresas municipais, técnicos da CPCJ, entre outros? Que medidas estão previstas para proteger os munícipes no acesso a bens essenciais, evitando cortes ou penalizações nas rendas da água, luz, gás, comunicações? Estabeleceram-se acordos com a INDAQUA neste sentido? Está, por exemplo, prevista a suspensão da cobrança de rendas pagas à MatosinhosHabit? Há garantia de que não haverá despejos? Está o parque público habitacional a ser mobilizado para as carências detetadas? Que estratégias existem para apoiar a economia local e que medidas estão a ser pensadas para apoiar o setor cultural – os artesãos, autores, artistas, produtores, criadores…? Há garantia de manutenção dos compromissos assumidos em eventos que foram adiados ou cancelados? E ao nível dos transportes, que medidas de higienização existem? A suspensão de cobrança na bilhética está a ser posta em prática? Que proteção tem sido conferida aos trabalhadores da autarquia que se encontrem de quarentena, infetados ou em teletrabalho? Como está a chegar a informação a todos aqueles munícipes que não têm acesso à internet? Que tipo de apoio está a ser prestado para garantir o bem-estar animal? Está prevista a constituição de redes solidárias de participação comunitária no município de Matosinhos?
Na verdade, os eleitos do Bloco de Esquerda ainda não têm respostas oficiais para nenhuma destas questões, aliás, não têm tido qualquer informação formal sobre a situação epidemiológica do concelho, nem tão-pouco sobre as revisões orçamentais imprescindíveis nesta crise, apesar de o Estatuto do Direito da Oposição ser inequívoco no dever de informação por parte do Executivo a todos os deputados municipais, sem exceção. Do nosso ponto de vista, é premente fazer-se cumprir a lei junto dos eleitos e, sobretudo, garantir uma estratégia de comunicação que seja verdadeiramente eficaz e que chegue a todos. Exigimos respostas neste momento de contenção, mas também exigimos comprometimento e uma atuação inequívoca que antecipe a crise que se avizinha. É importante conhecer as medidas gizadas para os matosinhenses, particularmente para todos aqueles que têm sofrido quebras significativas nos seus rendimentos. Deixar que esta pandemia empurre para a pobreza e exclusão social os nossos concidadãos, provocando um enorme retrocesso na construção das suas vidas, seria uma gigantesca falta de responsabilidade por parte de quem foi eleito para gerir o município.
Recordamos que, recentemente, o Bloco de Esquerda fez aprovar na Assembleia da República algumas propostas que visam melhorar no imediato a vida dos portugueses. Não esqueçamos de que em virtude da quebra de rendimentos será necessário, também nas autarquias, criar medidas para reorganizar ou reforçar a resposta social de emergência, particularmente junto dos grupos de risco já elencados. Neste sentido, e de acordo com a conduta adotada desde sempre, os deputados municipais do Bloco de Esquerda prosseguirão a sua luta pela melhoria das condições de vida dos cidadãos de Matosinhos. Não desistiremos, por exemplo, de lutar pela implementação de uma tarifa social da água para os cidadãos economicamente mais vulneráveis; não desistiremos de lutar pelo acesso de todos a uma habitação condigna; não desistiremos de lutar pelo acesso a berçários comparticipados pela autarquia evitando a sujeição a elevadas mensalidades nas creches privadas; não desistiremos de lutar pelo acesso a centros de dia e lares de idosos para todos os que deles necessitam, independentemente do seu estatuto socioeconómico. Urge, em Matosinhos, hoje e sempre, fazer uma gestão consciente destes e de outros problemas sociais e assegurar, por exemplo, cuidados continuados para todos aqueles, cujos rendimentos não lhes permita obter assistência domiciliária consentânea.
Não queremos assistir a um aumento de pobreza em Matosinhos. Gostaríamos, antes, que esta pandemia servisse para mudar o seu rumo, humanizar o sistema e os governantes eleitos, priorizar o bem de todos e secundarizar as ambições ou aspirações políticas de cada um, e recordar-lhes que as boas intenções não chegam para reerguer o nosso município desta catástrofe. Não ignoremos, por isso, que, após esta crise sanitária, se avizinham enormes constrangimentos em termos sociais e que se adensarão, precisamente, as fragilidades desta autarquia. Está na altura de os nossos dirigentes políticos aproveitarem esta quarentena forçada para repensarem a sua visão, a sua estratégia e as suas linhas de atuação e, de uma vez por todas, investirem naquilo que verdadeiramente importa: o capital humano.
Os deputados municipais do Bloco em Matosinhos
Carla Silva
Ernesto Magalhães